É "A" Travesti e não "O" Travesti

Por Sofia Favero Ricardo

A língua é mutável e a relação que temos com ela é dialética. Ou seja, nós mudamos a linguagem e ela nos muda conforme dialogamos.


Travesti

Antes de falar sobre como o artigo masculino “O” é pejorativo para as Travestis e Transexuais, tentarei explicar como termos depreciativos caem em desuso conforme o tempo.
Palavras como Caipira, Roceiro, Caboclo e Tabaréu eram utilizadas para se referir as pessoas Atrasadas ou Tolas e deixaram de ser usadas depois dos anos 60, como observou o sociólogo José de Souza Martins. A expansão dos Sindicatos Rurais e o surgimento das Ligas Camponesas facilitaram para dar voz a essa população e entender o estigma que esses termos traziam a eles. Óbvio que uma grande cicatriz social em relação a essas palavras ainda persiste atualmente.
Ou então o uso da palavra Retardado, ela remete ao Capacitismo – E é basicamente a noção de que as pessoas com deficiência física ou mental são incapazes, incompetentes, estúpidos e etc. A palavra Retardado contém um cunho ultrajante para essa classe e também está caindo em desuso.
Para entender então porque o artigo masculino fere a integridade emocional e psicológica da Travesti e da Transexual é preciso ouvir a voz dessa classe. É preciso que elas tenham lugar de fala! Nenhuma Travesti ou Mulher Trans se sentirá representada sendo tratada como homem, quando na verdade ela se identifica como Mulher. Toda pessoa é dotada de autenticidade para se definir. É bizarro falar “O travesti Sara atravessou a rua” como se houvesse alguma concordância com o nome que a pessoa adotou para si mesma. Um nome feminino! Logo, o uso do artigo masculino não o contempla.
Por mais que os conservadores achem que o artigo deva ir de encontro ao gênero designado socialmente a partir do nascimento e do genital, essa noção é muito limitada. Gramaticistas prendem-se as normas gramaticais e esquecem que toda produção humana é válida e que a língua é também um reflexo da sociedade – Não é pra menos que ela é transfóbica! – Não existe nenhuma regra gramatical que possua sentimentos ou consciência. Isso é um privilegio humano. Por mais que a palavra Travesti seja unissex, é preciso saber como essa classe se sente representada! Não haverão Travestis que se identifiquem como Mulher e gostarão de ser tratadas como Homem. Não tem lógica! Não tem coerência.
E no caso dos homens transexuais? Não existe O travesti?” 
Não, a identidade travesti é intrinsecamente ligada a pessoa que nasceu com pênis, foi designada homem e transicionou para a mulheridade posteriormente. Homens transexuais são chamados de Homens transexuais, Transhomens e Homenstrans. A própria definição da palavra Travesti é transfóbica:
Travesti

O dicionário Aurélio define a travesti basicamente como “O homem que se veste de mulher”. Sem levar em consideração os fatores biopsicossociais que vão além da indumentária.
Persistir com a noção limitada de que um artigo ou palavra não ofende ninguém… É o mesmo que achar correto o termo Aidético, quando ele na realidade além de pejorativo é uma afronta a dignidade humana da pessoa que é portadora do HIV! Porém, o termo Aidético já foi considerado normal, assim como atualmente ainda é considerado normal tratar travestis como homens. Por mais que a sua identidade de gênero não tenha correlação nenhuma com o gênero que a sociedade lhe atribuiu ao nascer.

Fonte: O Estigma Trans / Identidade de Gênero

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