Também Sou Teu Povo

"O Real não é Representável"


A frase do semiólogo francês Roland Barthes na abertura do documentário em curta-metragem Também Sou Teu Povo sugere de cara a intenção dos diretores cearenses Orlando Pereira e Franklin Lacerda. Para retratar o cotidiano dos travestis que freqüentam a praça Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, Orlando e Franklin decidiram abandonar o modelo de documentário tradicional, em que longas entrevistas tem seu peso. Logo no início, a câmera registra imagens noturnas da romaria de Juazeiro, corredores de casas, bancas de feiras cobertas, sem qualquer presença humana. Em seguida, cenas de imagens e estátuas religiosas ao lado de roupas e acessórios de travestis. A contemplação propõe um diálogo entre o sagrado e o profano, tema central do documentário, exibido na programação da 5ª edição da Virada Cultural de São Paulo, evento que aconteceu nos dias 02 e 03 de maio de 2009.

Também Sou Teu Povo busca depoimentos de travestis de Juazeiro do Norte, que apesar de rejeitados e discriminados pela sociedade, estabelecem forte relação com a cultura da religiosidade de sua região. No documentário, o sagrado e o profano não se encontram separados. "Se alguém passa pela praça Padre Cícero, não há como ficar indiferente. Os travestis convivem ali, naquele espaço que faz parte da capital da fé. O convívio com outros freqüentadores religiosos da praça é pacífico, como se fosse um acordo. Ninguém bate neles ou os expulsa de lá", afirma Orlando. De acordo com o diretor, a convivência entre dois mundos aparentemente distintos tem uma explicação. "Os travestis conquistaram espaços aos poucos. Há muito tempo existem travestis em Juazeiro, mas ninguém escreveu nada sobre isso".

Segundo Orlando, os travestis são a atração da cidade, principalmente durante as romarias. Entre os personagens do documentário, Camila Montenegro guarda em casa a imagem de Nossa Senhora. "Não existe hostilidade do romeiro, mas uma fascinação pelas travestis que circulam na praça. É claro que existe um silêncio, mas não uma hostilidade". O diretor confirma que tal convívio pode esconder algum tipo de preconceito. "Os travestis estão ali, mas é como se as pessoas fingissem que eles não estão ali. Mas alguns travestis têm amigos na praça". A idéia inicial era realizar um documentário não só sobre travestis, mas também sobre michês e outros homossexuais. As vozes dos entrevistados são ouvidas pelo espectador, sem a intervenção de narrador. "O que retratamos no documentário não é nada novo. Muita gente pensa que o sagrado exclui o profano. Talvez a novidade do curta seja não separar esses dois mundos. A realidade não é tão limpa assim", afirma Orlando.

O Curta-metragem foi realizado em 2006, através de uma capacitação em audiovisual pelo Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura, e percorreu muitos dos grandes festivais de curtas do Brasil e exterior e tem na direção Franklin Lacerda e Orlando Pereira.




Nenhum comentário: