Thais de Azevedo
“Sou Thais de Azevedo, tenho 64 anos. Sou técnica em enfermagem, negra, socio-educadora, travesti. Sou uma pessoa cheia de sonhos como todo mundo, e sou extremamente normal, quase banal, embora as pessoas me olhem e tenham a impressão de que eu não sou normal - é que as pessoas têm uma visão muito limitada do normal.
A gente não se descobre travesti, é uma construção de identidade. A pessoa que tem essa capacidade de criar pra si uma identidade de gênero é muito mutável, muito vanguardista. As travestis são como telas, e elas mesmas são as artistas: um pouco de hormônio, um pouco de silicone, um pouco de cirurgia, um pouco de tudo pra nos transformar no que consideramos belo. Nós não somos chacota.
Quando olhamos a natureza nós vemos a diversidade das cores, das flores, as tonalidades dos nossos rios, dos nossos mares, e a gente se deslumbra com essa diversidade, mas quando olhamos pra nós, pros nossos semelhantes, temos dificuldade de nos maravilhar com as nossas diferenças, com as tonalidades de nossas próprias cores, com a diversidade das necessidades sexuais, dos anseios, da criatividade que a gente tem pra viver as nossas questões sexuais, e a gente reprime essas coisas em nome de quê? Que tipo de moral é essa que te faz sofrer e rouba sua liberdade ?
Não me rebelei, apenas segui meus instintos. Se as pessoas sofrem quando me vêem, porque não me entendem, sinto muito, não posso ficar me detendo pra que me entendam, pra me explicar, tenho muitas outras questões mais importantes a responder, muitas coisas maravilhosas a fazer. Isso aqui é só um detalhe, minha aparência, minha indumentária é só um detalhe, não deveria ser tão importante assim. Eu deixo de ser bem recebida, eu deixo de ter um bom emprego, eu deixo de ser respeitada porque eu não sigo as normas vigentes. Somos homo sapiens evoluídos, mas que evolução é essa que detém o cidadão na sua marcha, rumo às suas buscas, às suas escolhas ?
A alma esclarecida não se deixa aprisionar. Se vocês me deixarem passar eu vou com minha indumentária feliz da vida, ajudando a colorir o mundo. É isso que as pessoas têm que fazer: amar a vida, se amar, e não ficar questionando quem é homem e quem é mulher.”
Fonte: Coletivo Além/Além do Gênero
Nenhum comentário:
Postar um comentário